quinta-feira, julho 10

Olhares tristes, angustiados e angustiantes, para quem como eles espera, quase orfãos depois de tantas expectativas, foi assim que os deixei ontem, os familiares de alguns dos doentes que recorreram ao HDB. Mais uma vez na minha vida me senti, apesar de tudo, profissional e com a certeza que é exactamente isto que eu gosto de fazer.
Recorri ao mesmo por motivos pessoais, mas acabei envolvendo-me no sofrimento e nas angustias dos outros que como eu, se cansam e desesperam numa espera sem fim.
Espera pós triagem e prévia ao atendimento do médico, espera para aguardar que se façam os exames complementares de diagnóstico, espera pelos resultados desses exames, espera pelo diagnóstico definitivo e quando o mesmo implica internamento, espera pelos auxiliares que o transferem para o piso, se implica alta médica, espera pelos bombeiros para o transporte para casa. E em muitas das situações, a maior parte das vezes o tempo que medeia novo recurso ao referido equipamento de saude é muito curto como curto é o novo "rosário" de novas esperas, repetindo-se até chegarem à meta.
Angustia e desespero, na maior parte das vezes sem se perceber onde começa um e termina o outro, a gestão dos sentimentos que nos tocam nestes momentos mais o ultrapassar dos obstáculos, é uma tarefa que na maior parte das situações é inglória pelo desconhecimento dos meandros do sistema e aqui entra o profissional da área social, que tem que ter para além de tudo o resto a capacidade de distinguir e fazer a triagem, também ele, do que é a situação de verdadeiro desconhecimento daquela que é mera teatralização.
Acabei por me envolver, involuntariamente, e assim alguns deles ficaram menos angustiados, mais calmos e sobretudo com mais força e conhecimentos para ultrapassar os obstáculos, porque eu fiz questão de os ajudar nessa tarefa. Aos idosos que têm limitações de vária ordem(fisica e intelectual), mas que nem por isso deixam de de ter força de vontade para lutar pelos que amam, pais, esposas, e outros parentes a quem nada é explicado.
Partilhei, conhecimentos, uns adquiridos por conta e pesquisa própria outros porque questionei os profissionais ( médicos), escutei, quem precisava ser ouvido porque a solidão é pesada como pesado é, amar familiares em situação de doença terminal, acompanhei, quem depois de longas esperas( 9 horas), não havia feito qualquer refeição, por desconhecimento de onde fazer e sem recursos para o fazer, porque o sair de casa em desespero levou-o a esquecer até a carteira.
E quando saí do equipamento, fiquei, pelos agradecimentos, com a certeza, que havia feito tudo o que era possível fazer, no momento, mas também com uma certeza maior ainda, que tenho muito que lutar para, pelo menos, repôr um sistema de saúde, com equipamentos e profissionais, semelhante ao conquistado pós 25 de Abril e consecutivamente destruido, pelos canalhas que, e porque têm dinheiro a este não necessitam recorrer e por isso mesmo o destroem.

2 comentários:

Susete Evaristo disse...

Sem palavras, mas com uma grande admiração por essa profissional de quem tenho a honra de ser amiga.
(Embora por enquanto apenas virtual)
Beijos muitos

XICA disse...

Um abraço grande Susete, o estado de espirito, neste momento é, de paz - porque missão cumprida;
de tristeza - porque temos o País no fundo do poço e as pessoas muito acomodadas, numa letargia irritante, mas compreensível, porque são sempre os mesmos a pagar as facturas;
de revolta - porque nestes locais, os que pensam ser detentores de um poder, quando percebem, porque existe alguem a explicar-lhes que não é bem assim, mas um pouquinho mais ao lado, recuam, mas voltam a ter o mesmo comportamento com outros.